Episódio 6
Patrimônio Público
Para contar essa história a gente vai precisar voltar lá em 2002. Vinte e um anos atrás, o município de Itumbiara contratou a Fundação de Amparo à Pesquisa da Universidade Federal de Goiás (Funape) para realizar um levantamento técnico de todos os imóveis edificados e não edificados existentes na área urbana da cidade. O valor do contrato foi de R$ 400 mil. Só que um detalhe transformou esse processo, que parecia normal, numa grande dor de cabeça.
É que a contratação foi realizada sem licitação. Só que independente do motivo, o caso foi denunciado ao Ministério Público em Itumbiara, que no ano seguinte, acionou a prefeitura e a Funape por improbidade administrativa.
O impasse se arrastou por quase duas décadas até que, em 2019, a Fundação foi condenada pela Justiça a pagar um valor corrigido de mais de R$ 3 milhões ao município, mesmo tendo entregado o serviço contratado em 2002.
O professor Orlando Amaral, que era diretor executivo da Funape em 2019, lembra bem que se assustou com o valor e foi claro ao afirmar que seria impossível à instituição pagar o montante. “Seria impagável pela Funape. Desde que eu iniciei minha gestão nós tentamos junto ao Ministério Público na busca de uma solução, que não era simples”, conta.
Mas foi aí que entrou a promotora de Justiça Ana Paula Sousa Fernandes, titular da 3ª Promotoria de Itumbiara. Ela resolveu propor aos envolvidos um acordo extrajudicial que seria interessante tanto para a prefeitura quanto para a Funape.
A proposta era a seguinte: ao invés de pagar a dívida total em dinheiro, a Fundação deveria entregar R$ 400 mil para serem usados na compra de um ônibus, destinado ao transporte de pacientes oncológicos em tratamento no Hospital do Câncer de Barretos, e o restante do valor, cerca de 3 milhões de reais, seria pago através de serviços.
“A fundação se comprometeu a prestar diversos serviços, com o objetivo de melhorar a atual estrutura da Controladoria Interna do município. Este é um trabalho exemplar, porque a própria administração pública terá condições de avaliar as falhas, os desvios e, deste modo, reconhecer algumas irregularidades e corrigir”, afirmou a promotora.
Em abril do ano passado, depois de muita negociação, as partes envolvidas assinaram um termo de ajustamento de conduta por meio do qual a Funape deveria desenvolver e implementar quatro instrumentos e ferramentas de gestão na prefeitura de Itumbiara, com foco prioritário na Secretaria de Controle Interno.
Um ano depois, o procurador-geral do município, José Mário de Oliveira Júnior, nos recebeu em sua sala, onde apresentou orgulhoso os sistemas que já foram entregues à prefeitura pela Funape. Um deles é o Sistema de Planejamento Estratégico de Projetos (Sipep), que possibilita a gestão de projetos administrativos e o outro é o Sistema Eletrônico de Informações (SEI).
“O SEI trará maior transparência. Hoje o cidadão protocola o seu processo, que às vezes fica à mercê da administração para ter resposta e nunca sabe qual a ordem do seu procedimento, o prazo e não consegue acompanhar. Com o SEI, que é um processo administrativo digital, o cidadão poderá, além de realizar o protocolo da sua casa, acompanhar passo a passo como está sua demanda”, esclareceu José Mário.
O procurador-geral do município também destacou a importância que os sistemas terão para prevenção e identificação de casos de corrupção, assim como o controle de dados e gastos públicos, direcionando o município sobre onde aplicar melhor os recursos nas áreas de educação, saúde, infraestrutura, independente de quem esteja na gestão. “O gestor público, a partir de agora, terá uma melhor gestão, não somente dos gastos públicos, via Controle Interno, mas também melhor gestão administrativa desses gastos”, completou.
A promotora de Justiça Ana Paula também não esconde a satisfação pelo resultado de sua atuação, apoiada pela área de autocomposição do Ministério Público. Ela lembra que o MP muitas vezes é visto como um órgão punitivo, mas que é preciso destacar as ações preventivas promovidas, como foi o caso de Itumbiara. Ana Paula nos descreveu o seu sentimento ao acompanhar o sucesso do TAC que tem foco direto no benefício da população do município.
“O sentimento é de dever cumprido. O Ministério Público é muito conhecido por sua atuação punitiva. Entretanto, nós podemos mais, podemos fazer um trabalho preventivo, que possa capacitar servidores e também corrigir, de maneira antecipatória, algumas condutas que poderiam vir a ser punidas por meio de uma ação penal ou de improbidade administrativa”, pontuou.
O professor Orlando Amaral hoje já não é mais diretor-executivo da Funape, mas não perde de vista o trabalho de desenvolvimento dos sistemas pelas mãos dos pesquisadores da fundação e se diz muito grato pela oportunidade de resolver o problema.
“Era um problema de pagar, cumprir a sentença judicial, com um ônus muito pesado, que talvez inviabilizasse muitas das ações que a Funape realiza hoje. São mais de 700 projetos hoje em execução. Esta solução foi muito bem-vinda, somos muito gratos! Reconhecemos enormemente o papel da doutora Ana Paula, mas também do Ministério Público com um todo”, ponderou.
Sem esconder sua felicidade, o professor acredita que esta experiência bem-sucedida servirá de exemplo para outras empresas e administrações públicas. “Eu acho que é um caso exemplar de sucesso, de construção, que traz benefícios para todas as partes”, celebrou.
Nós também ficamos na torcida, professor Orlando, para que soluções assim se propaguem, beneficiando a sociedade ao mesmo tempo em que inibe atos de corrupção.
